Sabem aqueles textos idiotas de “o que eu aprendi?”. Pois é. Pra brindar minha tontisse, resolvi escrever esse texto, sobre “O que eu aprendi no BDSM”. Como não pratico uma relação 24/07, escrevo o que talvez tenha aprendido pra vida (
Primeiro,
atendendo ao chamado de meus desejos e me envolvendo em relações SM, aprendi que
por trás de uma Dominatrix estereotipada, existe a mulher. A mulher Domme, a
mãe Domme e a menina Domme. Aprendi que toda Domme chora, sofre, tem sua
história e sua vida, e que por menos mencionada que ela seja devido ao contexto
e relação que se estabelece, no fundo todos buscamos a completude. No BDSM,
assim como na vida, nada se faz sozinho e a empatia sempre pode ser exercida,
colocando-nos no lugar do próximo até mesmo quando o outro pouco se mostra...
Moro
em uma cidade do interior, longe de onde tudo acontece em termos de BDSM e
fetichismo em geral. Pra vivenciar minha iniciação viajei
estados, enfrentei medos, busquei, insisti e me entreguei. O BDSM me ensinou a ter coragem. A não fugir. É assustador se entregar nas primeiras vezes... No pensamento vamos longe, mas e a coragem? Algumas cenas as vezes podem ter uma aparência assustadora - o que pode tornar tudo ainda mais interessante. Minha vivência no BDSM me ensinou a encarar o
medo. Os meus medos. Não esconder pra baixo do tapete aquilo que me atormenta. Atender o
chamado do corpo, da alma, dos sonhos reprimidos mais malucos. Ir além. Buscar.
Aprendi
que por mais que persistamos e busquemos, os desejos não são feitos do que é
material. Os desejos, embora as vezes concretizados, podem ser muito diferentes
do que buscamos. Os sonhos são diferentes da realidade. A imaginação é muito
diferente da forma como as coisas funcionam. Aprendi a ter cuidado com o que eu
desejo, pois meu desejo pode se realizar...
Na
dor, aprendi que até nos piores momentos, até quando não temos mais aonde nos
segurar, de algum lugar exala uma força que pode nos manter em pé. Temos muito
dentro de nós. Aprendi que mesmo estando nos nossos limites, temos dentro algo que
pode nos levar além. Podemos resistir e persistir, até mesmo nos momentos mais
dolorosos.
Em
situações nas quais vivi semelhante a uma relação 24/07, sendo o tempo todo controlado usado como escravo - descobri o que é
confiar. A confiança é algo precioso, passível de ser depositada em pessoas que
realmente mereçam. Pessoas que servem de abrigo e porto seguro. Nessas
condições, realizei a importância da liberdade, e a responsabilidade que a
mesma implica. Agradeci quando retornei em casa, pela possibilidade de escolha em um ambiente em que eu já não era mais controlado por alguém. Costumamos não dar valor a estas coisas. Por mais que tenhamos as vontades e os desejos relacionados às nossas
perversões, por mais legal que tenha sido viver como cão ou empregada escrava,
vamos ponderar: todos temos, salvo raras exceções, nossas vidas baunilhas.
Voltei a dar valor a aquele sentimento de autonomia para abrir um chocolate,
ou tomar um café, que eu mesmo, em situações de escravo, não pudera degustar
pela manhã.
Aprendi
que apesar de ter um prazer imenso em ser feminizado e forçado a me portar de
um jeito diferente do que sou, tenho um orgulho imenso em ser homem! É muito difícil viver como uma mulher,
ainda mais pra quem não o é! (kkk) Também passei a admirar ainda mais as
mulheres! Todas... Sem exceção.
Aprendi a lavar, passar, cozinhar. Lavar paredes, capinar, limpar pátios, pintar... Aprendi receitas deliciosas! Aprendi sentir prazer de modos que nunca nem sequer me imaginei antes. Explorei meu corpo, explorei o país, explodi de tezão! Eu
aprendi que sou desastrado e teimoso. Gostaria de ser mais domável, ou não?! Vi que é impossível recusar o
que somos. Mas apesar de difícil a auto-recusa, é possível se
reciclar e isso não tem como fazer sozinho... Aprendi a ouvir um sorriso. Aprendi que
entre as batidas de um coração podem existir muito mais do que mil palavras.
Descobri um universo mais do que infinito na inter-relação que se estabelece
entre o humano. Entre a Dona e escravo. Tudo isso na teoria é bonito demais,
mas na prática é arrepiante. Aprendi a lealdade. Aprendi que o prazer pode se
dar de diversas formas e descobri também que não conheço todas elas. Depois de dias como "sissy" da dominadora aprendi
que gosto de caminhar igual homem, com cara de mau mesmo, mas também aprendi que a
suavidade é importante e ela está no coração antes de qualquer lugar. Aprendi que somos inseguros
e ansiosos. Todos. No fundo, bem... la no fundo. Descobri que nossa forma de
agir sempre depende das circunstâncias, assim fica difícil de se definir.
Descobri que até mesmo em posições inferiores podemos controlar, dominar e
manipular. Descobri também que todos os sentimentos são únicos. Cada hora,
lugar, pessoa e ato é único e eterno ao mesmo tempo! Ainda não aprendi a abrir mão, de mim e de meus
desejos. Mas talvez, em alguma medida, aprendi a resignar. Na esfera da afetividade, reside em algum
grau a dor. Aprendi que quando fico sem sessões saboto-me. Aprendi que prefiro tapas do que notas baixas na faculdade, e acreditem, sem os
primeiros as segundas são inevitáveis. Com o tempo eu descobri que as marcas do
meu corpo cicatrizam rápido e fácil. Quisera minha alma
assim fosse. As piores cicatrizes não são de carne. Aprendi que na vida não tem
safeword.
É
incrível como todas essas experiências nos engrandecem. Esse universo perverso
não apenas é prazeroso por si, assim como também pode nos ensinar muitas coisas
sobre nós e o mundo. São experiências que talvez a maioria das pessoas não tenham tido, e nunca terão. Seja por não gostarem mesmo ou por não se darem essa chance também. Mas pra quem tem esses gostos perversos, são tantas as vivências possíveis... Que nos expandem. Sou muito grato por tudo isso e a todos que já cruzaram
meu caminho. A mim o BDSM trouxe momentos
extremamente valiosos, que assim como nosso cotidiano, exalam vida, mesmo na dor, e nos
mostram nós mesmos através do outro, imersos em confiança, respeito, e no final talvez um
pouquinho de sanidade...
* o título do texto faz referência a fala de Wanda sobre o seu "Bottom", personagem do livro de Leopold von Sacher-Masoch intitulado "A vênus das peles".
* o título do texto faz referência a fala de Wanda sobre o seu "Bottom", personagem do livro de Leopold von Sacher-Masoch intitulado "A vênus das peles".